segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Por que chamar o autismo de nível 1 de suporte de "autismo leve" dá uma impressão equivocada sobre a condição

Descrição da imagem #pratodosverem: Imagem realística de uma balança de dois pesos. O prato esquerdo está para cima e, embaixo dela, aparece escrito "A 'leveza' atribuída ao autismo de nível 1". O prato direito está para baixo e, embaixo dela, está escrito "O peso e severidade que autistas de nível 1 sofrem por causa do capacitismo". Fim da descrição.



Editado em 02/04/2023

Muitas pessoas chamam o autismo de nível 1 de suporte, a junção das condições antes conhecidas como "Síndrome de Asperger" e "autismo de alto funcionamento", de "autismo leve".

Essa denominação popular tem um sério problema: leva a sociedade a ter uma noção equivocada e subestimativa das limitações, dificuldades e necessidades de apoio inclusivo dos autistas desse tipo - entre os quais eu me incluo.

Convido você a saber, neste artigo, por que nos rotular de autistas "leves" é um erro carregado de preconceito, e por que gostaríamos que as pessoas abandonassem esse costume.

Por que muitos ainda chamam o autismo de nível 1 de suporte de "autismo leve"


Antes de argumentar por que chamar o autismo de nível 1 de suporte de "leve" é uma má ideia, preciso responder: por que tanta gente ainda tem esse costume, por mais que ele seja danoso?

A razão principal é a tradicional e persistente categorização do autismo por "severidade" e "funcionamento", por mais que nem o DSM-5 nem o atual CID-11 a reconheçam formalmente. 

Segundo ela, os autistas seriam classificados como "leves", "moderados" e "severos". Nessa lógica, os "leves" teriam uma condição autística muito mais "branda" do que os dos outros dois tipos, conhecidos como "autistas clássicos".

Teriam menos limitações em aspectos como a comunicação oral, habilidades intelectuais, a (in)dependência de outrem para tarefas básicas cotidianas (como amarrar os cadarços dos sapatos, trocar de roupa e cuidar do próprio asseio corporal) e o nível de hipersensibilidade (no caso de quem é hipersensível) a estímulos estressantes.

Nesse contexto, estão mais próximos dos padrões e habilidades neurotípicos do que os autistas "clássicos".

Por isso o nosso autismo é rotulado como "leve" e de "alto funcionamento". Afinal, parecemos "funcionar melhor" e mais independentemente entre uma sociedade predominantemente neurotípica.

As impressões enganosas de quando se fala de "autismo leve"


Apesar dessa aparência, falar de autismo "leve" induz a uma falsa impressão sobre o que nós autistas de nível 1 de suporte vivemos, sofremos e necessitamos.

Em primeiro lugar, quando se usa a errônea régua linear de níveis de "severidade" de autismo, muitos são levados a acreditar que os "leves" são "menos autistas" do que os "moderados" e "severos", por estarem "mais próximos" do padrão comportamental e "funcional" neurotípico.

Essa crença faz com que a sociedade subestime, ou até mesmo negue, a nossa necessidade de suporte inclusivo. Por mais que seja menos intensiva do que a dos autistas de níveis 2 e 3 de suporte, ela é muito relevante e imprescindível para nós e precisa ser integralmente reconhecida e atendida.


Ela reflete a imagem que muitos neurotípicos têm de nós - como "gênios privilegiados" que só precisam fazer um "esforcinho" para se socializar com eles e lidar com as demandas da escola, da universidade, do trabalho, do coletivo político etc.

Os sofrimentos que o rótulo de "autista leve" invisibiliza


Aviso de conteúdo: Este trecho do artigo contém menções a capacitismo, abusos e suicídio. Continue lendo apenas se você tiver segurança de que não sofrerá com gatilhos traumáticos.

Esse estereótipo "positivo" do autista rotulado como "leve" invisibiliza as nossas dificuldades e o nosso sofrimento perante o capacitismo da sociedade. Esses são alguns dos percalços que sofremos:
  • Nossas possibilidades de arranjar um emprego duradouro são muito mais reduzidas do que as dos neurotípicos. Afinal, muitos de nós têm uma dificuldade extrema de se encaixar em trabalhos fora dos nossos hiperfocos e pessoas como eu têm interesses profissionais restritos a vocações que o mercado não valoriza ou estão em crise - como professor de Filosofia e/ou Sociologia, poeta e pesquisador de Astronomia;
  • Tendemos a sofrer bullying e discriminação em função de dificuldades como não entender fluentemente linguagem não verbal, interpretar brincadeiras e ironias ao pé da letra, ter pouca ou nenhuma habilidade social, ter expressões faciais menos expressivas e manifestar comportamentos considerados "infantis" e "imaturos";
  • Nossas dificuldades de comunicação não verbal e socialização limitam muito a nossa capacidade de nos relacionar com os neurotípicos, perceber sinais sutis de manipulação e nos defender de pessoas mal intencionadas;
  • Na nossa tentativa de nos relacionar com os neurotípicos, somos forçados a tentar adotar uma precaução extrema em não incidir em comportamentos que eles considerem indesejáveis, algo comparável a desviar de espinhos e buracos num caminho totalmente escuro;
  • Somos costumeiramente forçados a tentar nos adaptar à sociedade neurotípica, emulando os comportamentos dos não autistas de maneira muitas vezes desengonçada, e na maioria das vezes fracassamos e somos condenados à exclusão das rodas de amigos e colegas;
  • A hipersensibilidade que muitos de nós têm a estímulos sensoriais dificulta muito a nossa vida em meio a um ambiente urbano repleto deles. É comum o autista ter dificuldade, por exemplo, de curtir shows musicais, desfrutar da comida em um restaurante onde o cheiro de carne assando é muito forte, esperar e pegar ônibus e metrô, prestar atenção numa reunião onde várias pessoas estão falando ao mesmo tempo, permanecer em muitos lugares onde os neurotípicos ficam à vontade etc. Não raro, o autista sofre sérias crises nervosas, os meltdowns, por causa da sobrecarga sensorial e mental; 
  • A exclusão social à qual acabamos submetidos, a hostilidade que sofremos no dia-a-dia, as repreensões, os maus olhados alheios etc. não raro nos levam à depressão, ao transtorno de ansiedade, à síndrome do pânico, entre outros transtornos mentais, e ao isolamento social compulsório;
  • Nossa dificuldade de fazer e manter amizades pode nos condenar a uma vida de solidão, períodos prolongados de ausência de amigos próximos, decepções amorosas uma atrás da outra e pouco ou nenhum networking profissional;
  • Somos muito mais suscetíveis a sofrer abusos em casa, na escola, no trabalho, na igreja, em clínicas e hospitais etc. e não conseguir se defender adequadamente;
  • Nossa categoria também corre um risco muito maior de tentar suicídio do que os neurotípicos;
  • Temos muita dificuldade de conseguir diagnóstico formal e laudo, uma vez que o SUS e a rede privada de saúde hoje têm muito poucos psiquiatras e neuropsicólogos especializados em autismo de nível 1 de suporte. O indivíduo precisa ter dinheiro e/ou sorte para encontrar profissionais de saúde mental capazes de avaliar, confirmar e diagnosticar a condição. Isso nos impede de usufruir plenamente dos direitos de pessoas com deficiência. Esse problema é ainda maior para meninas, mulheres adultas e pessoas não brancas;
  • Autistas de nível 1 sem diagnóstico têm chance muito maior de não ter consciência da própria neurodivergência - tal como foi o meu caso até os 30 anos. Por causa desse autodesconhecimento, não sabem por que possuem comportamentos tão fora do padrão, têm tanta dificuldade de se socializar e entender linguagem não verbal, sofrem tanta discriminação e violência capacitista etc. Isso os leva a ter uma autoestima muito baixa e ódio de si mesmos e tende a lhes causar sérios transtornos mentais;
  • Muitas escolas se recusam a matricular alunos autistas, mesmo os de nível 1. E mesmo a maioria das que não fazem isso são completamente despreparadas para acolhê-los, incluí-los devidamente e lhes atender a necessidade de suporte. Não é à toa que essas instituições são verdadeiros infernos de intolerância, exclusão e capacitismo estrutural para a maioria dos autistas ditos "leves".
Além disso tudo, muitos de nós têm limitações e condições coexistentes que desmentem o estereótipo do "autismo brando" e "de alto funcionamento", mesmo não correspondendo aos critérios técnicos do autismo de nível 2.

Tem autistas de nível 1 de suporte com dificuldades quase intransponíveis de assumir uma vida independente porque não conseguem sozinhos cuidar do seu asseio corporal, vestir e tirar a roupa e calçar e tirar sapatos, arcar com as tarefas domésticas de sua casa, se emancipar do suporte dos pais ou guardiões etc.

Entre as condições coexistentes que tornam grande parte dos autistas dessa categoria "menos funcionais" aos olhos dos neurotípicos, estão Síndrome de Tourette, depressão (muitas vezes desde a infância), Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Processamento Sensorial com insensibilidade a necessidades fisiológicas, dermatilomania, esquizofrenia, Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação, Síndrome de Ehlers-Danlos, TDAH, TOC, disfunção executiva, mutismo seletivo, memória fraca etc.

E, finalmente, é preciso mencionar a vulnerabilidade que a grande maioria de nós tem a sofrer meltdowns shutdowns, em situações de muito estresse acumulado e/ou sobrecarga sensorial.

Quando o autista está em algum desses estados, perde parcial ou mesmo totalmente, por alguns minutos ou horas, o controle de si mesmo e sua capacidade de se comunicar. Em situações assim, a "leveza" e a "alta funcionalidade" atribuídas ao autismo de nível 1 desaparecem.

Considerações finais


Chamar de "leve" o autismo de nível 1 de suporte atrapalha muito mais do que ajuda no acolhimento dessa categoria de autistas pela sociedade.

Esse rótulo passa a falsa impressão de termos uma deficiência mais "branda" e sermos muito mais "próximos dos neurotípicos" do que os autistas de graus maiores. E esconde uma vida de sofrimentos, privações e percalços severos, por causa do capacitismo que nos cerca e nos oprime, em meio a uma sociedade que não acolhe a neurodiversidade.

Agora que você tem mais consciência disso, considere abandonar a rotulação dos autistas de nível 1 como "autistas leves". Reconheça nossa necessidade de suporte e nossas demandas pela aceitação do autismo, pela nossa inclusão e pela abolição do capacitismo.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Sobre o bullying virtual capacitista que sofri na década de 2000


Aviso de conteúdo: Este artigo relata bullying e pode acionar traumas em vítimas presentes ou passadas desse tipo de violência.

Aviso: Este artigo não está aberto para comentários.

Por vários anos na década de 2000, entre 2004 e 2009, sofri bullying virtual de membros de um fórum do qual participei entre 2003 e 2005. O motivo: ódio capacitista.

Ironicamente, fui chamado de “autista” como xingamento, dezenas de vezes naquele período, e acabaria realmente me descobrindo como autista na década seguinte.

Conheça um pouco dessa triste história que consegui superar em grande parte, mas me faz, até hoje, relutar em vestir de corpo e alma o “rótulo” de autista.

Um pouco de como foi aquela época


O fórum, cujos nomes eu não pretendo revelar e mudou de endereço algumas vezes na época, funcionou na década de 2000 - e não sei se continua ativo hoje.

Em 2003, na minha imaturidade adolescente e falta de conhecimento sobre o perigo psicológico que maus lugares da internet podem proporcionar, aderi a esse fórum com um impronunciável nicknameHrrr” - que é o grunhido que o vocalista Jonathan Davis, da banda de nu-metal Korn, faz ao final da música Lies.

No começo até não havia tanta gente contrária à minha presença. A situação começou a piorar a partir de dezembro daquele ano, quando eu enviei repetidas mensagens privadas a uma mulher membro do fórum que eu achava que era minha amiga. Ela se revoltou e passou a me ver com muito desgosto, o que me causou tristeza e me fez abandonar o fórum por uns dois meses.

Só voltei depois que ela veio pedir desculpas para mim. Mas o fórum que eu encontraria, a partir de fevereiro de 2004, seria um lugar de muito ódio, onde minha pessoa não era bem vinda. Onde eu receberia insultos e declarações de antipatia frequentemente, quase diariamente.

Fui muito xingado ao longo dos 14 meses que eu ainda “convivi” virtualmente com os membros daquele fórum.

Mas, na minha dificuldade autística de criar amor próprio e diante da ausência de amizades regulares já naquela época (até então, só tive amigos próximos com convívio diário no ensino médio, que havia encerrado no final do ano letivo de 2003), acabei optando por continuar me sujeitando a tudo aquilo, e não reconhecendo que aquilo podia me fazer muito mal.

Fui muito xingado de autista, mas não em função da minha condição neuropsicológica, mas sim por passar por “retardado” segundo a mentalidade bully dos membros daquele fórum. Também recebi “nomes” como bicha, retardado, mongol, mongoloide etc.

Quase todos os membros ativos daquele fórum me odiavam. Poucas pessoas me aceitavam como colega.

Esse ódio era reafirmado toda vez que eu me comportava de maneira imatura, “esquisita”, de uma maneira que a grande maioria dos membros ativos se recusava a aceitar e tolerar.

A gota d’água foi em abril de 2005, a menos de duas semanas do meu ingresso no curso de Jornalismo na UFPE - do qual acabaria desistindo apenas dois meses depois. Alguém do fórum usou meu nickname e se passou por mim para assediar uma blogueira.

Eu só soube disso depois que o namorado dela veio revoltado ao meu então blog pessoal - o “Blog do Hrrr”, que não tinha relação com os blogs que tive e tenho desde 2008 - reclamar do assédio.

Então, eu finalmente tomei a decisão que devia ter tomado muito tempo antes: abandonei o fórum onde, por mais de um ano, fui tratado como lixo. Mas ali foi só o começo do cyberbullying que sofreria.

Nos comentários do Blog do Hrrr, nos fóruns em que participei nos anos seguintes, no Fotolog que eu mantinha etc., recebia mensagens de ódio, sendo chamado de diversos adjetivos depreciativos, sendo “autista” o principal xingamento.

Fui obrigado a abandonar o fórum Religião É Veneno (infelizmente eu era neoateu na época) e me desfazer do meu blog pessoal e do meu Fotolog por causa do constante assédio que sofri.

Só depois que abandonei o nickname “Hrrr” e desisti de participar de fóruns virtuais fora do Orkut, em junho de 2007, é que o bullying virtual começou a diminuir gradativamente.

Mas ainda assim, mesmo no extinto Consciência Eferverscente, ainda recebi umas duas vezes mensagens insultuosas de algum membro daquele fórum. Fui reconhecido como “Hrrr” quando participava de comentários de um blog “de ceticismo” (que abandonei por causa do antiveganismo do dono). O perfil do Twitter do fórum que havia abandonado ainda veio falar comigo me “convidando” a falar de bullying contra autistas - sendo prontamente bloqueado.

O assédio chegou ao fim, pelo menos por enquanto, depois que a mulher que eu acreditava ser minha amiga daquele fórum tentou me adicionar no Facebook e me chamar para o grupo de membros daquele fórum no Face. Recusei a adição dela e o convite, ignorando-a.

É possível que, caso algum membro daquele fórum tenha conhecimento deste artigo, os xingamentos voltem temporariamente. Mas hoje eu sou uma pessoa mais madura e resiliente do que fui naquela triste época.

Conclusão

Acredito que todo autista leve tem uma história triste de bullying, seja ele presencial/escolar ou virtual, para contar. Eu não fui exceção, porque sofri esse tipo de violência por diversos anos.

É fato: ser autista no mundo de hoje, de tantas crianças, adolescentes e adultos reacionários e autoritários, metidos a “politicamente incorretos” e fãs de “humoristas” bullies profissionais, ainda é motivo para ser hostilizado, rejeitado, verbalmente violentado. Porque a sociedade ainda não está pronta para aceitar, defender e respeitar os direitos e a dignidade de pessoas como nós.

Pois essa é a minha história. E espero que ela influencie, de alguma maneira, na conscientização de quem ainda não se reconhece autista ou não tem muito conhecimento sobre o universo do autismo. Que traga uma lição para que se reconheça mais a importância de combater, nas escolas e na internet, essa crueldade que é o bullying.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Um pouco de minha vida enquanto alguém que não sabia ser autista

"Eu estive esperando no escuro/Por tanto tempo..." - música da abertura dos vídeos do canal de Amythest Schaber
Até hoje sofro bastantes privações sociais por ser autista leve - tanto pela discriminação e intolerância quanto pelo meu déficit de socialização. Mas no passado eu as sofria sem saber por quê.

Como dizia a música que toca nos vídeos de Amythest Schaber, “eu estive esperando no escuro, por tanto tempo”. Pois na escuridão do desconhecimento de minha condição eu sofri bastante.

Convido você a conhecer um pouco do sofrimento que um autista leve que desconhecia sua própria condição sofreu ao longo de sua vida.

Uma lista de momentos constrangedores e difíceis que sofri em função de desconhecer o que/quem eu realmente era


Atualizado em 23/10/2018

  • Aos quatro anos de idade, psicopedagogos descobriram que eu era superdotado. Mas nenhum profissional da psicologia ou das neurociências descobriu meu autismo - até hoje. Não por eu não ter essa condição, mas sim porque, na minha infância, nunca tive contato com um especialista em autismo infantil, e na vida adulta nunca encontrei um especialista em autismo adulto leve conveniado aos planos de saúde que tive e tenho;
  • Nunca tive interesse genuíno e espontâneo de me entrosar com os amigos do meu irmão, alguns dos quais tinham/têm a mesma idade que eu. Geralmente era ou, na infância, por pressão de meus pais, que se sentiam mal de me ver crescendo como uma criança isolada e antissocial, ou, já na vida adulta, por desejo de me tornar mais sociável;
  • Na infância, até os 10 anos de idade, eu não tinha o menor interesse de fazer amizades. E era, de fato, ignorado por praticamente todos os colegas de classe - e sofria bullying de uns dois meninos -, tanto por ser bem mais jovem que eles, considerando que até a sexta série do ensino fundamental eu era dois anos adiantado em comparação com a maioria das crianças, quanto por meus comportamentos esquisitos;
  • Naquela época, ficava isolado na escola, comendo meu lanche sentado na escada que levava ao primeiro andar, e não tinha nenhum desejo de perguntar ou falar nada para outras crianças, tampouco de brincar;
  • Em duas escolas diferentes, passei vergonha diante de muitos outros alunos porque a camisa do fardamento tinha estampa no peito, do jeito que eu mais odiava (e odeio até hoje), e eu puxava ou entortava a gola da camisa para tentar tirar de cima do peito a estampa;
  • Por diversas vezes na infância, crianças neurotípicas me perguntaram, sem nenhum escrúpulo, se eu era "doido";
  • Nenhuma escola por onde passei me via como um potencial autista que precisava de acompanhamento. Afinal, a década de 90 era uma verdadeira Idade Média para autistas leves, e parecia que somente autistas moderados e severos tinham seu autismo reconhecido;
  • Aliás, nenhuma escola pela qual passei no antigo pré-escolar e no ensino fundamental e médio, tanto pública quanto privada, tinha o mínimo de preparo para incluir e atender alunos autistas - nem os leves, nem os de níveis mais severos;
  • Por muitos anos, até me aproximar da minha atual namorada Danielle, sofri com a carência afetiva, com a ausência de uma namorada. Tentei paquerar muitas vezes, mas, antes de Danielle, nunca fui reciprocamente aceito. Apenas duas mulheres manifestaram um desejo perceptível por mim, mas eu não lhes correspondia. Houve uma terceira com quem eu até fiquei por pouco menos de um mês, mas não havia uma reciprocidade verdadeira e não evoluiu verdadeiramente para um namoro, apesar de meus sentimentos;
  • Antes de Dani, minha juventude foi severamente marcada por uma necessidade intratável de ter uma namorada. Deixei de curtir o momento presente por muitos anos na expectativa de que só seria feliz de verdade namorando. Eu definitivamente não era do tipo que sabia curtir a solteirice - até porque, na nossa sociedade, geralmente só se consegue ser um solteiro feliz quando a pessoa tem amigos próximos e presentes, e só tive amigos próximos no ensino médio e em dois cursos superiores (no caso destes últimos, era apenas um amigo em cada curso);
  • Minha mãe, antes de eu assumir minha condição autística à família, costumava dizer que eu "não tive infância, nem adolescência, nem juventude". Não fazia ideia do porquê eu "optava" por não curtir a menoridade da maneira aceita pelos neurotípicos;
  • Por muitas vezes fui repreendido por amigos em função de comportamentos socialmente desagradáveis. E não entendia por que meus comportamentos não agradavam, uma vez que características muito comuns na Síndrome de Asperger são não conseguir decodificar regras sociais sutis, não ditas, até ser punido ou repreendido por quebrá-las, e o autista não conseguir entender a reação negativa dos neurotípicos aos seus comportamentos;
  • Uma vez fui expulso do voluntariado de numa agência de notícias porque abri um tópico, na comunidade dela no Orkut, criticando a linguagem que alguns jornalistas usavam em suas matérias. Não havia percebido que uma regra social sutil em empresas é evitar fazer críticas abertas desse tipo, sob pena de demissão ou expulsão. Só fui readmitido como voluntário nessa agência dois anos depois;
  • Também perdi um emprego por não conseguir perceber regras sociais ocultas. Nesse caso foi no IBGE, onde tive meu contrato temporário de agente de pesquisa rescindido por acreditar ingenuamente que seria cobrado ou advertido, e não sumariamente demitido, por empurrar com a barriga tarefas de trabalho;
  • Nunca consegui me dar bem em entrevistas de emprego. Apesar de achar, na hora, que estava me dando bem, estava na verdade tendo uma comunicação não verbal (gestos, posição das mãos e das pernas, postura da coluna e do rosto, tom de voz etc.) deficiente, que não agradava a nenhum entrevistador. E, é claro, nem eu nem o entrevistador sabíamos de minha condição;
  • Meu networking sempre foi muito pequeno, mesmo com 10 anos (hoje) de experiência como blogueiro, e nunca consegui expandi-lo satisfatoriamente. Ele está restrito, até hoje, a alguns poucos colegas, com quem às vezes é difícil ter contato;
  • Nunca consegui expandir satisfatoriamente meu currículo. Sempre me faltou interesse e desejo de fazer cursos profissionalizantes e mesmo cursos acadêmicos menores dentro de cursos universitários (ex.: um curso de marxismo ou educação ambiental dentro de um curso superior de Ciências Sociais). E minha experiência profissional é baixíssima, tendo trabalhado em empresas por menos de nove meses somados ao longo de toda a vida; 
  • Meu déficit de empregabilidade persiste até hoje. Posso dizer que, com 31 anos de idade atualmente, tenho o currículo de um adolescente de 18, considerando que meus dois diplomas de cursos superiores (tecnologia em Gestão Ambiental e licenciatura em Ciências Sociais) têm um valor extremamente baixo e marginal na nossa economia e sociedade;
  • Por muitas vezes tentei criar em mim o desejo de fazer cursos gratuitos que me permitissem ganhar dinheiro em trabalhos assalariados ou autônomos (ex.: montagem e manutenção de computadores e celulares, design de interiores, vendas etc.), mas nunca consegui realmente senti-lo;
  • Sempre fui muito “preso” à minha atual vocação de comunicador por blogs, redes sociais e canais de vídeo (fui um youtuber de pequeno alcance até 2015, e condiciono minha volta ao YouTube à manutenção da nossa democracia) e ao interesse de ser sociólogo. Nunca consegui, de maneira nenhuma, me interessar em trabalhos mais lucrativos, como empreender ou fazer cursos superiores mercadologicamente mais promissores. Apenas a partir de 2018 é que comecei a empreender em vendas afiliadas, mas num nicho que desde vários anos atrás já era o meu - o vegano;
  • Ao longo dos meus anos na licenciatura em Ciências Sociais, eu fui uma pessoa isolada, pouco sociável, e não gostava de fazer minicursos e cursos de curta duração, nem de participar de eventos como congressos e palestras (exceto quando eu mesmo era um palestrante, como foi o caso dos únicos dias do VegFest 2015 nos quais eu compareci);
  • Minha vida universitária foi muito instável. Desisti de dois cursos, quase desisti também dos dois nos quais eu me formei, tranquei um duas vezes, mudei de curso uma vez por transferência interna e fracassei em três seleções de mestrado;
  • Lembro de uma vez, em 2015, quando fazia o PIBID de Sociologia, de, numa reunião na escola onde eu acompanhava as aulas dessa disciplina, eu me sentir atordoado, confuso e sobrecarregado - mas não ao ponto de ter crise nervosa - ao tentar ouvir tantas pessoas falando ao mesmo tempo. Na época, logo quando eu contei isso, minha namorada cogitou, pela primeira vez, eu ser autista, em função disso ser uma manifestação do transtorno de processamento sensorial característico do autismo. Mas na ocasião eu neguei, por preconceito e desconhecimento sobre essa condição;
  • Durante a década de 2000, sofri bullying virtual num fórum que era repleto de pessoas extremamente preconceituosas. Era pejorativamente chamado, adivinha só, de autista. Mas não no sentido de identificação clínica com o Espectro Autista, mas sim no sentido capacitista de “retardado”;
  • Nunca consegui me socializar verdadeiramente em fóruns virtuais, nem em grupos/comunidades de redes sociais. Até hoje, mesmo em grupos de autistas no Facebook, eu sou uma pessoa distante que só se comunica, fazendo algum tópico com pergunta, quando me convém e não me aproximo de ninguém;
  • Por minha falta de traquejo social, eu fui uma persona non grata de um já extinto grupo de ativistas pelos Direitos Animais da UFPE, de 2008 a 2009. Eu fazia perguntas socialmente inconvenientes, usava o fórum do grupo para criticar a ausência de ações em alguns momentos, pedia para socorrerem animais mutilados sem terem condições, desdenhava da fé religiosa de parte dos membros… Era tido como uma pessoa desagradável, e não sabia por quê;
  • Também cometi ações socialmente desagradáveis e imaturas quando fiz inglês no SENAC do Recife, também em 2008. Literalmente invadia a sala de aula vizinha, por cuja professora eu tinha uma certa paixonite, e tentava me socializar. Pelo que percebo, também fui tido como uma pessoa desagradável por vários alunos e, provavelmente, também pela professora;
  • Em 2012, na tentativa de fazer amizades, marquei piqueniques com veganos e vegetarianos de Recife e região metropolitana em alguns meses daquele ano. Essa marcação chegou ao fim depois que ex-participantes reclamaram de comportamentos socialmente indesejados meus, como comer demais nos piqueniques, deixando pouco de alguns pratos para outras pessoas comerem, e entrar na casa de uma colega (que eu tinha a ilusão de que era amiga na época) sem um convite prévio. Ou seja, pelo que pareceu, os piqueniques de Recife foram encerrados na época por reprovação de outrem à minha não compreensão das normas sociais desse tipo de evento. E não consegui fazer nenhuma amizade nessas ocasiões;
  • Ao longo de toda a minha vida, pelo menos até os 23 anos de idade, eu tinha comportamentos e atitudes bastante imaturos para a idade. Por exemplo, num fórum virtual do qual participei aos 19 anos, tinha o comportamento de um pré-adolescente. Na comunidade de um time de futebol no Orkut em 2007 (aos 20 anos), também me comportava como um menino de pouca idade. Aos 22 anos, na UFPE e no extinto blog Consciência Efervescente, eu não me diferia muito, em comportamento e forma de expressar, de um adolescente de 14 ou 15 anos. Hoje posso me considerar mais amadurecido, mas ainda assim não conseguirei demonstrar maturidade em ocasiões de socialização - exceto com pessoas com quem me sinto totalmente à vontade para conversar sobre temas que nos despertam interesse em comum (ex.: conversar com outros autistas sobre veganismo);
  • Até me descobrir aspie, eu nutria um tremendo ódio de quem eu era no passado. Já chamei o meu eu do passado de merda, negoço (de "negócio", que coloquialmente significa "coisa", pelo menos no Nordeste), menino sem dignidade, entre outros impropérios, por ter sido um menino bastante imaturo para a idade e inconsciente cometedor de erros sucessivos. Até reprimi gostos musicais daquela época, como nu-metal, por muitos anos, só para não me identificar com quem fui no começo da adolescência. Só fui fazer as pazes com meu passado depois que me descobri autista;
  • Entre tantas outras situações das quais não me lembro com muita nitidez agora - e que vou incluir aqui à medida que me lembre.

Considerações finais


Essa lista tão grande de desventuras aconteceu tanto porque nunca fui verdadeiramente aceito e incluído como a pessoa neurodiversa que eu não sabia que era, como porque, diante da falta de profissionais que diagnostiquem e acompanhem autistas adultos em Recife sem cobrar caro, nunca tive minha condição clinicamente desvelada.

Portanto, por todos esses anos, tenho vivido privado do devido acompanhamento e tratamento psicoterapêutico, do treinamento de habilidades sociais que alguns autistas - os quais, infelizmente, posso considerar privilegiados - recebem para lidar melhor com a sociedade, da compreensão das pessoas sobre por que eu sou assim e tenho os comportamentos que tenho...

Muitas vezes ainda argumentam que eu posso mudar e me tornar mais sociável e neurotipicamente passável só com minha força de vontade e determinação. Algo dito por pessoas que nada entendem sobre as deficiências sociais dos autistas.

Ainda tenho fé de que, com muita luta e com a ajuda deste blog, as pessoas irão me entender melhor, e quem sabe trazer oportunidades que, diante do desconhecimento por parte da sociedade sobre minha natureza, eu nunca tive o privilégio de acessar ou mesmo saber que existem.

No mais, esse sou eu - uma pessoa que só passou a se conhecer minimamente muito recentemente (com a ajuda da minha namorada, que, com seu conhecimento sobre Síndrome de Asperger, fez o que nenhum profissional fez até hoje, que foi descobrir meu autismo) - e, por isso, passou, e muitas vezes passa até hoje, por uma quantidade imensa de privações, constrangimentos e discriminações.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Apresentação: Oi, eu sou um autista de nível 1 de suporte

Descrição da imagem #pratodosverem: foto de um botton com um balão de fala escrito "Eu sou autista" em inglês. Fim da descrição.
Oi pessoal, eu sou autista de nível 1 de suporte (foto: Etsy)

Reescrito em 15/01/2022, com a remoção das menções à "Síndrome de Asperger" e sua substituição pelo autismo de nível 1 de suporte

Olá a você que veio conhecer e ler o blog Consciência Autista! Bem-vinda, bem-vindo, bem-vinde.

Permita-me apresentar: eu sou um autista de nível 1 de suporte - categoria antes conhecida como "aspies" ou "autistas leves".

Descobri minha condição neurodivergente em março de 2017, graças à minha namorada. Me assumi publicamente autista em dezembro do mesmo ano e consegui - com sorte e boas habilidades de escrita e memória de longo prazo - meu diagnóstico formal e laudo em dezembro de 2019.

Se você ainda não tem muita compreensão do autismo de nível 1, convido você a, neste artigo, conhecer melhor as suas características mais definidoras e marcantes e como eu me encaixo nelas. 

Esse conhecimento ajudará você a identificar se uma pessoa tem chances elevadas de ser esse tipo de autista mesmo que ela mesma não tenha consciência da própria condição. E também traz uma ótima oportunidade para você começar a desconstruir o seu capacitismo contra autistas.

O que é o autismo de nível 1 de suporte?


O autismo de nível 1 de suporte é a condição do espectro autista na qual o nível de necessidade de suporte que o indivíduo tem é relativamente básico, menos substancial do que autistas de níveis 2 (popularmente conhecidos como autistas "moderados") e 3 (autistas "severos").

Mesmo sendo uma necessidade de apoio menos intensiva, ela não deve ser ignorada, sob pena de exclusão, sofrimento, isolamento social e transtornos psiquiátricos.

Como foi mencionado no começo do texto, corresponde ao que muita gente chama de "autismo leve" e era conhecido, até dezembro de 2021, como "Síndrome de Asperger" - embora muitos afirmassem que existiam autistas "leves" "não aspies", os "autistas de alto funcionamento".

Hoje, de acordo com o CID-11 (Código Internacional de Doenças*, 11ª edição), em vigor desde janeiro de 2022, o autismo nível 1 é denominado oficialmente "Transtorno" do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional.

*Apesar de o autismo estar listado num código de doenças, ele não é uma doença. Além disso, o código em si abrange não apenas patologias, mas também condições não patológicas, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), os transtornos de desenvolvimento de aprendizagem (como dislexia, disgrafia e discalculia) e a menção à "incongruência de gênero" (correspondente às identidades de gênero trans e não binárias).

Características marcantes do autismo de nível 1


Antes de tudo, o autismo de nível 1 possui todas as características listadas pelo DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), comuns a todos os autistas - variando a intensidade de cada característica de acordo com o nível de necessidade de suporte:

1. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos):

a) Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal (sic) e dificuldade para estabelecer uma conversa normal (sic) a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, e dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais.
b) Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade (sic) no contato visual e linguagem corporal, ou de déficits na compreensão e uso de gestos a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal.
c) Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas, ou em fazer amigos a ausência de interesse por pares.

2. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos):

a) Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados (sic) ou repetitivos (por exemplo, estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas).
b) Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (como sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente).
c) Interesses fixos e altamente restritos que são anormais (sic) em intensidade ou foco (por exemplo, forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos).
d) Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (como indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento).

Os sintomas (sic) devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida. Esses sinais causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente, e não são melhor explicados por prejuízos da inteligência ou por atraso global do desenvolvimento.

O DSM-5 distingue o autismo de nível 1 dos outros níveis nesses quesitos:

Interação/comunicação social:

Nível 1 (necessita suporte): Prejuízo notado sem suporte; dificuldade em iniciar interações sociais, respostas atípicas ou não sucedidas para abertura social; interesse diminuído nas interações sociais; falência na conversação; tentativas de fazer amigos de forma estranha e malsucedida.

Comportamento restritivo / repetitivo:

Nível 1 (necessita suporte): Comportamento interfere significantemente com a função; dificuldade para trocar de atividades; independência limitada por problemas com organização e planejamento.


O autismo de nível 1 manifestado por mim


Como autista de nível 1, eu tenho todas essas características:

1. Déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais, manifestadas de todas as maneiras seguintes:

a. Déficits expressivos na comunicação não verbal e verbal usadas para interação social;


Exemplos no meu caso:
  • Dificuldade ou incapacidade de entender comunicação não verbal;
  • Propensão ao “sincericídio”;
  • Dificuldade de entender ironias ou brincadeiras verbais;
  • Dificuldade de contato visual;
  • Baixa habilidade de gesticular com as mãos etc.
b. Falta de reciprocidade social;
  • Dificuldade muito grande, alternada com desinteresse, de socialização com neurotípicos;
  • Tendência a fazer e manter amizades apenas com quem tem muitas semelhanças de gostos e preferências político-ideológicas comigo;
  • Dificuldade de interagir em rodas de conversas;
  • A já mencionada dificuldade de entender ironias ou brincadeiras verbais;
  • Dificuldade ou incapacidade de perceber e entender normas sociais não ditas;
  • Desatenção a padrões de vestimenta;
  • Histórico notável, até 2012, de paqueras fracassadas e paixões não correspondidas por causa da carência de habilidades sociais etc.
c. Incapacidade para desenvolver e manter relacionamentos de amizade apropriados para o estágio de desenvolvimento.
  • Carência crônica de amigos próximos;
  • Isolamento social crônico semivoluntário;
  • Desejo frustrado de fazer e manter amizades duradouras;
  • Networking profissional precário;
  • "Sincericídios" que impediram, no passado, o estabelecimento de alianças no meio vegano e limitavam minha permanência em grupos etc.
2. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos duas das maneiras abaixo:

a. Comportamentos motores ou verbais estereotipados, ou comportamentos sensoriais incomuns;

  • Sentir prazer em ouvir múltiplas e repetidas vezes os mesmos áudios esquisitos, como efeitos sonoplásticos e gritos de Seiya (do anime Os Cavaleiros do Zodíaco) apanhando e os rages do youtuber Pai Troll (dos vídeos dele publicados entre 2016 e 2018) etc.;
  • Stims (chamados pelos psiquiatras de "estereotipias") como ouvir os dedos batendo um no outro perto do ouvido, estalar a mandíbula e apertar repetidamente os botões de seta à esquerda e à direita do teclado do computador;
  • Tiques: a Síndrome de Tourette é uma condição coexistente ao meu autismo, além de eu ter "síndrome das pernas inquietas";
  • Ecolalias diversas;
  • Hipersensibilidade a ambientes barulhentos, calor abafado, luzes intensas e cheiros fortes;
  • Provável hipossensibilidade gustativa, preferindo comer alimentos muito adoçados ou muito temperados;
  • Hipersensibilidade a situações de estresse, briga e conflito;
  • Aversão a etiquetas de roupas etc.
b. Excessiva adesão/aderência a rotinas e padrões ritualizados de comportamento;
  • Querer que minha namorada repita os carinhos verbais que eu dirijo a ela - senão começo a sentir desconforto;
  • Manutenção de uma rotina diária de ligar o computador após acordar;
  • Escovar os dentes sempre da mesma maneira;
  • Dificuldade de trabalhar em outras coisas que não a escrita no computador ou o estudo;
  • Dificuldade de aderir a programas de lazer sem planejamento prévio etc.
c. Interesses restritos, fixos e intensos.
  • Hiperfoco no veganismo, nos Direitos Animais e na conscientização anticapacitista do autismo;
  • Dificuldade de me interessar em estudar disciplinas que caem em concursos públicos e de aprendê-las;
  • Dificuldade de me interessar em vocações com elevada empregabilidade;
  • Sensação de estar “preso” à vocação da produção de conteúdo sobre Ética Animal e neurodiversidade;
  • Coleção de livros de ciências humanas;
  • Gosto elevado pela leitura e pelo estudo etc.
3. Os sintomas (sic) devem estar presentes no início da infância, mas podem não se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam o limite de suas capacidades.
  • Desde a infância tenho muito desses comportamentos;
  • Sempre fui uma criança isolada e antissocial;
  • Sempre tive dificuldades de socialização e um amplo histórico de sofrer discriminação;
  • Tenho tiques desde os 7 anos;
  • Só aprendi a falar aos 3 anos de idade;
  • Sempre tive uma caligrafia “feia”;
  • Desde os 3 ou 4 anos sou reconhecido como superdotado etc.


Algumas dificuldades vividas pelos autistas de nível 1


Geralmente os autistas de nível 1 passam por enormes e numerosas dificuldades ao lidar com a sociedade, a qual hoje não está preparada para acolher autistas e pessoas com outras neurodivergências.

Alguns desses percalços são:
  • Dificuldades de socialização e de fazer (e manter) amizades;
  • Amadurecimento social e comportamental mais lento, difícil, psicologicamente doloroso e marcado pelo sofrimento de abusos, hostilizações e repreensões;
  • Dificuldade de notar e obedecer regras sociais que não costumam ser reveladas de maneira verbal e explícita;
  • Capacidade limitada ou ausente de manter e controlar o contato visual;
  • Pouca elasticidade das expressões faciais;
  • Dificuldades imensas de se encaixar em empregos em que neurotípicos costumam se dar bem, por motivos como não aguentar a pressão de supervisores e patrões, a intolerância a ambientes barulhentos e/ou muito luminosos, a dificuldade de se socializar com outros colegas e perceber normas não verbalizadas, a eventual dificuldade de executar planejamentos;
  • Dificuldades de assimilar os costumes e gostos culturais dos neurotípicos, como futebol, música popular, maquiagem, programas de TV muito populares, acompanhar os assuntos em alta do momento etc.;
  • Sofrimento perante o excesso de estímulos sensoriais nas cidades, como barulhos, luzes artificiais e cheiros.
Não é à toa, assim, que os autistas de nível 1 costumam sofrer bullying na escola, em ambientes virtuais. no trabalho e, em alguns casos, no próprio lar. São cruelmente abusados e hostilizados quando se comportam de uma maneira que os neurotípicos preconceituosamente consideram “estúpida”, “idiota” ou “retardada”. 

Eu pessoalmente o sofri em escolas na infância e em um fórum de internet na adolescência.

Também é muito comum que o autista acabe vivendo em isolamento social crônico, carente de amigos, na sua infância, adolescência e, em muitos casos, também na idade adulta.

Afinal, sempre teve muita dificuldade de se socializar e fazer amizades firmes com neurotípicos e sofreu muitos maus tratos por não conseguir entender e se encaixar em normas sociais que não costumam ser verbalmente reveladas.

Autista com orgulho!


Sou autista com orgulho. Já tive vergonha de meu passado - e em muitos momentos quase senti vergonha de mim mesmo por ter fracassado nas muitas tentativas de me socializar e forçar mudanças na personalidade.

Nessas épocas passadas, sem saber do meu autismo, eu tentava insistentemente mudar na marra meu jeito de ser, meus comportamentos. 

Tentava ser extrovertido, mais sociável e adepto de conversas em grupo, mais fazedor de amizades, ampliar de maneira não espontânea meus gostos, me adequar às expectativas sociais dos neurotípicos, aprender a olhar “normalmente” nos olhos das pessoas...

Mas essas tentativas nunca davam certo, o que sempre me trazia uma melancólica frustração. 

Além disso, por muitos anos travei uma verdadeira guerra contra o meu passado. Sentia profunda vergonha e remorso de ter sido um adolescente e um jovem adulto considerado imaturo para a idade.
Mas depois que eu me descobri e me assumi autista, essa vergonha foi enterrada e deu lugar ao orgulho e autoaceitação plenos.

Enfim encontrei a razão, tão misteriosa até poucos anos atrás, de ser desde sempre alguém tão diferente e fora da caixinha da “normalidade” neurotípica. Depois que eu a conheci, fiz as pazes com o passado e passei a viver com cabeça mais erguida e peito mais aberto.

Tenho orgulho de mim mesmo por tudo que eu sou - minha superdotação, meu repertório intelectual e habilidade linguística que me permitem escrever muito bem blogs e livros e palestrar sem medo, minha elevada empatia, meu senso de humor excêntrico, até mesmo minhas dificuldades e limitações.

Considerações finais


Desde que eu me descobri autista, tenho assumido o compromisso de ajudar a defender os direitos dos autistas e demais pessoas neurodivergentes - até por eu ser um deles -, pregar a libertação da nossa minoria - e de todas as demais junto - do capitalismo que nos marginaliza e inferioriza e combater o capacitismo e a psicofobia dentro dos movimentos de esquerda e da comunidade vegana.

Sonho com um mundo em que pessoas como eu serão respeitadas plenamente do jeito que são, livres de todo o perigo de serem discriminadas e sofrerem bullying. 

Tenho esse sonho da mesma maneira que vislumbro um futuro de igualdade social, solidariedade, ética, sustentabilidade e também de libertação dos animais não humanos.

Faço questão de lutar com afinco, mais ainda do que já lutava, para que esse futuro chegue logo. Nenhum capacitista irá parar esta luta.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Bem vindo ao novo blog Consciência Autista!



Bem vinda e bem vindo ao blog Consciência Autista, blog escrito por um autista que tem muita conscientização para trazer e compartilhar.

Estreou hoje, no fim da tarde de 9 de outubro de 2018, o Consciência Autista, com a missão de trazer para as pessoas - autistas, familiares, profissionais de saúde que atendem autistas e o público em geral que se interessa ou precisa se interessar no tema autismo.

Um pouco sobre mim

Eu sou Robson Fernando de Souza, nascido em 1987, autor do blog Veganagente e dos livros Veganismo: as muitas razões para uma vida mais ética e Direitos Animais e veganismo: consciência com esperança. Até pouco tempo atrás eu tinha o Consciencia.blog.br, que tive que suspender por problemas de servidor.

Sou autista leve, ou aspie. Tenho aquela que é conhecida tradicionalmente como Síndrome de Asperger, hoje diagnosticada nas Neurociências como "Transtorno do Espectro Autista Nível 1" (DSM-5) ou "TEA sem transtorno de desenvolvimento intelectual e com pouco ou nenhum comprometimento da linguagem funcional" (CID-11).

Como aspie, eu já sofri muitas dificuldades de socialização - algo que sofro até hoje, vivendo um quase isolamento social -, constrangimentos e repreensões por comportamentos socialmente indesejados, decepções, bullying... E tenho excentricidades típicas de quem tem a Síndrome de Asperger.

Me descobri autista apenas em 2017, aos 30 anos de idade, e com a ajuda essencial da minha namorada. Antes disso, eu me achava um neurotípico e conhecia muito pouco sobre o mundo do autismo, apesar de viver todas as privações que autistas leves sem diagnóstico e sem terapia costumam viver. 

Essa autodescoberta, porém, ainda não é respaldada por um diagnóstico formal, já que é muito difícil obter-se um diagnóstico. E infelizmente tenho a sensação de que hoje os autistas adultos não têm direito ao diagnóstico, precisando pagar caro por sessões de consulta/análise neuropsicológica que não são cobertas por nenhum plano de saúde, nem pelo SUS.

Também sou superdotado, com uma enorme habilidade na escrita e nos estudos escolares e universitários. Mas infelizmente nunca estudei numa escola ou universidade adequada para crianças, adolescentes e adultos superdotados.

A missão do blog

O blog vem trazer uma importante conscientização para todas aquelas pessoas que precisam entender melhor o autismo e os autistas.

Quero que os autistas de hoje não passem mais pelas dificuldades e perrengues que eu passei e passo. Ou que, pelo menos, passem menos pelos problemas decorrentes do capacitismo e da exclusão social de pessoas com deficiência (autistas também são considerados pessoas com deficiência, incluindo autistas leves superdotados), e saibam enfrentá-las de maneira ativista.

Espero sinceramente que, com a ascensão do movimento da autodeterminação autista, cada vez mais pessoas se percebam necessitadas de aprender mais sobre o espectro autista. Afinal, muito provavelmente já convivem com autistas no seu dia-a-dia, talvez tenham um ou mais amigos autistas e não saibam - e nem mesmo esses autistas tenham consciência de sua própria condição.

Também quero muito contribuir para que aqueles autistas leves que não sabem possuir essa condição descubram-na o quanto antes, ou pelo menos tenham pistas importantes de que são pessoas realmente diferentes dos neurotípicos.

Desde já, agradeço a você que veio ao Consciência Autista aprender mais tanto sobre o autismo - incluindo a Síndrome de Asperger - quanto sobre como eu, enquanto indivíduo autista, lido com minha condição e como convivi com ela sem saber durante 30 anos da minha vida (hoje tenho 31). 

E espero que encontre, nos meus artigos e histórias de vida, inspiração para se autoafirmar um orgulhoso autista, ou familiar de autista, ou namorado(a) de autista, ou amigo(a) de autista.

Mais uma vez, bem-vindo(a)!