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Gigante carregando pedra, de Annibale Sessa |
Muitas vezes o termo “autismo leve”, que hoje denomina formalmente a Síndrome de Asperger, leva as pessoas a terem uma concepção equivocada da magnitude das nossas dificuldades enquanto autistas leves.
Acabam pensando que nossas dificuldades são “leves” em comparação aos dos autistas de grau mais severo. Que temos uma história de vida menos sofrida.
Quero mostrar para você, neste artigo, que isso não é verdade. Nossos problemas são bem mais pesados do que a “brandeza” do nosso autismo pode deixar a entender.
Os problemas de vida que o termo “autismo leve” pode acabar ocultando
Apesar de termos menos necessidade de acompanhamento e auxílio de outras pessoas do que os autistas de grau 2 (moderado) e 3 (severo), temos dificuldades bastante proeminentes em nossas vidas.
Listo a seguir algumas delas:
- Nossas possibilidades de arranjar um emprego duradouro - ainda mais numa época de flexibilização e retrocesso dos direitos trabalhistas como a atual - são muito mais reduzidas do que as dos neurotípicos, mesmo em momentos de crescimento econômico. Afinal, muitos de nós têm uma dificuldade extrema de se encaixar em trabalhos fora dos nossos hiperfocos e pessoas como eu têm o azar de ter hiperfoco em vocações que o mercado não valoriza ou estão em crise;
- Tendemos a sofrer bullying e discriminação por simplesmente sermos quem somos e incidirmos em comportamentos que não são benquistos pelos neurotípicos;
- Nossas dificuldades de comunicação, entre elas a de entender linguagem não verbal, figuras de linguagem e más intenções disfarçadas, limitam muito a nossa capacidade de nos relacionarmos com a maioria das pessoas e nos defendermos de pessoas de má índole;
- Na nossa tentativa de nos relacionar com os neurotípicos, somos forçados a tentar ter uma precaução extrema em não incidir em comportamentos que eles considerem indesejáveis, algo comparável a desviar de espinhos e buracos num caminho totalmente escuro;
- Muitas vezes acabamos forçados a tentar nos adaptar à sociedade neurotípica, emulando desengonçadamente os comportamentos dos neurotípicos e na maioria das vezes fracassando e sendo excluídos;
- Nossa hipersensibilidade a estímulos sensoriais atrapalha muito a nossa vida. É comum um autista leve ter dificuldade de curtir um show de rock, desfrutar da comida em um restaurante onde o cheiro de carne assando é muito forte, prestar atenção numa reunião onde várias pessoas estão falando ao mesmo tempo, permanecer em muitos lugares onde os neurotípicos ficam à vontade etc. Não raro, o autista pode acabar tendo sérias crises nervosas, os meltdowns, por causa da sobrecarga sensorial;
- A exclusão social à qual acabamos submetidos, a hostilidade que sofremos no dia-a-dia, as repreensões, os maus olhados alheios etc. não raro nos levam à depressão, ao transtorno de ansiedade, à síndrome do pânico, entre outros transtornos mentais, e ao isolamento social;
- Nossa dificuldade de fazer e manter amizades pode nos condenar a uma vida de solidão, períodos prolongados de ausência de amigos próximos, decepções amorosas uma atrás da outra e pouco ou nenhum networking profissional.
Considerações finais
Precisamos que as pessoas tenham consciência disso. O desconhecimento delas sobre os problemas pelos quais passamos acaba fazendo-as nos discriminar e agravar nosso sofrimento sem que percebam. Ou seja, induzindo-as a fazer de nós autistas leves de problemas severos.