segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Por que o ambientalismo é uma causa social fortemente aliada dos autistas

Ambientalismo e neurodiversidade, duas causas com muito mais afinidade do que as pessoas acreditam. Descrição da imagem #PraCegoVer: Uma silhueta de cérebro com galhos de árvores no interior. Imagem em preto e branco. Fim da descrição.
Ambientalismo e neurodiversidade, duas causas com muito mais afinidade do que as pessoas acreditam.
Ao longo dos próximos anos, um fato será cada vez mais notado e concordado: o ambientalismo é uma causa fortemente aliada da defesa da neurodiversidade autista.

A afinidade entre ambos é tanta que eu posso dizer, com certeza, que defender o meio ambiente é promover o nosso bem-estar como autistas e o respeito inclusivo à nossa categoria. E lutar pela nossa inclusão passa necessariamente por remover barreiras que o movimento ambientalista combate há décadas.

Convido você a conhecer mais essa tão necessária intersecção entre essas duas tão importantes causas. No final das contas, você descobrirá, ou renovará a sua convicção, que, quando autistas ambientalistas como Greta Thunberg combatem a degradação do meio ambiente, eles estão também protegendo toda a categoria autista.

Os pontos de intersecção entre o ambientalismo e a defesa da neurodiversidade

No final das contas, Greta Thunberg e outros autistas envolvidos na luta ambientalista também estão defendendo o bem-estar e a inclusão dos autistas, mesmo que indiretamente. (Foto: Alastair Pike/AFP/Getty Images) Descrição da imagem #PraCegoVer: Greta Thunberg, uma adolescente branca de cabelos presos e blusa colorida sem mangas, discursa em um megafone, em meio a vários manifestantes segurando celulares para tirar fotos, numa manifestação contra o descaso dos governos perante a crise climática global. Fim da descrição.
No final das contas, Greta Thunberg e outros autistas envolvidos na luta ambientalista também estão defendendo o bem-estar e a inclusão dos autistas, mesmo que indiretamente. (Foto: Alastair Pike/AFP/Getty Images)
Poluição, necessidade de contato com o verde, clima que pode levar ao limite a nossa sensibilidade sensorial… São diversos os pontos em que a defesa do meio ambiente beneficia diretamente a população neurodiversa.


Combate à poluição


O elo mais evidente entre ambos é a luta contra a poluição. Afinal, uma das coisas que mais nos causam sofrimento, ao lado do capacitismo, são os estímulos sensoriais excessivos oriundos de formas diversas de contaminação do ambiente.
Entre elas, estão:
  • A poluição sonora, que atormenta a nossa audição com ruídos muito incômodos;
  • A atmosférica, cujas fétidas fumaças levam a nossa sensibilidade olfativa ao limite;
  • A luminosa, com suas luzes em demasia que, além de tornar o ambiente muito mais feio e ofuscar as estrelas do céu noturno, sobrecarregam a nossa visão;
  • A aquática, que, além de contaminar nosso corpo com doenças, também pode nos causar um insuportável incômodo olfativo, por causa do fedor da água poluída ou do poluente, e/ou tátil, por causa da terrível sensação que a água contaminada pode nos causar ao entrar em contato com nossa pele e nossos olhos.
Não é à toa que autistas com hipersensibilidade sensorial têm uma probabilidade muito maior de sofrer níveis altos de desconforto, mal-estar ou mesmo meltdowns em ambientes sujos com uma ou mais formas de poluição do que em lugares pouco ou nada poluídos.


Luta contra a crise climática


Também na linha do sobre-estímulo sensorial, outra intersecção entre a neurodiversidade autista e a defesa do meio ambiente é o esforço para frear a crise climática global.

O que faz a luta contra as mudanças do clima no planeta beneficiar diretamente os autistas é o fato de que calor e frio excessivos podem causar sobrecarga em quem é muito sensível a lugares muito quentes ou muito frios.

Nesse contexto, praticamente todos os lugares do planeta estão ou estarão suscetíveis a extremos de temperatura e, assim, a se tornarem verdadeiros infernos sensoriais para os autistas que moram neles.

Por exemplo, um autista que mora numa região com histórico de estações do ano amenas poderá sofrer muito a partir do momento em que ali começarem a incidir temperaturas atipicamente altas ou baixas demais para os padrões climáticos locais. Terá cada vez menos qualidade de vida e passará mal cada vez mais por causa de sobrecarga sensorial térmica.

Portanto, defender o freio das emissões de gases-estufa implica necessariamente socorrer os autistas mais vulneráveis a sofrer sensorialmente por causa dos excessos de calor e de frio.


Mais verde para o bem-estar dos autistas


O terceiro ponto de convergência é a defesa de cidades mais arborizadas, com mais parques densamente verdes e melhor distribuição de árvores nas ruas, avenidas e praças, e da preservação e reflorestamento de áreas de ecossistema.

Destaque-se aqui a reivindicação de mais parques urbanos e mais unidades de conservação ambiental visitáveis. Esses estão entre os únicos lugares, quando não são os únicos em absoluto, em que nós autistas podemos descansar, ter nossos lazeres pessoais e descansar nossos cérebros, corpos e sentidos protegidos da maior parte dos estressantes estímulos sensoriais das cidades e de nossas próprias casas.

Além disso, mais árvores nas cidades significam que a poluição atmosférica será mais filtrada e amenizada e, portanto, o fedor das fumaças também será menor. Também moderam a temperatura e detêm o excesso de calor nos dias quentes, nos protegendo do risco de sobrecarga sensorial térmica. E em menor escala, contribuem para frear, ou pelo menos abrandar, as mudanças climáticas.

Por isso, defender o verde da Natureza é promover mais paz e tranquilidade para os autistas.


Ecovilas e casas com arquitetura ecológica


Habitações, condomínios e vilas sustentáveis tendem a beneficiar imensamente os moradores autistas, de diversas maneiras, entre as quais:
  • A regulação climática e térmica da casa protege o autista de sofrer com os incômodos sensoriais, por exemplo, do calor úmido;
  • A proteção dos cômodos dos ruídos e fumaças de fora o poupam do desconforto e da sobrecarga causados por essas poluições;
  • A ecovila, por ser construída num lugar com baixa poluição atmosférica, aquática e sonora, é um lugar profundamente acolhedor para moradores autistas. Quando há regras condominiais contra barulhos excessivos, esse benefício é fortalecido;
À medida que a luta pela aceitação do autismo se tornar mais visível e forte, o planejamento arquitetônico e urbanístico de casas e ecovilas irá considerar cada vez mais as necessidades dos seus habitantes neurodiversos.

Conclusão

Meio ambiente sadio significa autistas também saudáveis. E ambientes poluídos e com pouca vegetação implicam neurodiversos doentes e sensorialmente sobrecarregados.

É por isso que nossa luta pela aceitação do autismo passa necessariamente por advogar em favor de várias pautas ambientais. Afinal, se queremos paz, inclusão e respeito, nós só os conseguiremos em lugares que respeitam a Natureza, possuem boa arborização, boa oferta de parques e se esforçam para deter o aquecimento global.

Portanto, se você quer um mundo que aceite e inclua a neurodiversidade, você também pode ajudar atuando na causa ambientalista.

domingo, 12 de janeiro de 2020

Se você se sentiu mal ao se descobrir autista, saiba sobre o libertador lado positivo dessa revelação

Descobrir-se autista, um dos mais formidáveis frutos do processo de autodescoberta. Descrição da imagem #PraCegoVer: Um papelão áspero rasgado com um buraco no centro, revelando uma superfície escura com riscos escrita com a frase "Discover yourself", que em inglês significa "Descubra-se" ou "Descubra a si mesmo". Fim da descrição.
Descobrir-se autista, um dos mais formidáveis frutos do processo de autodescoberta.

Você se sentiu mal, como se tivesse recebido uma péssima notícia, quando descobriu que é autista?

Se sim, eu quero neste artigo lhe mostrar que, ao contrário do que essa impressão inicial fez parecer, essa autodescoberta foi algo que revolucionou a sua vida e faz hoje uma diferença muito positiva.

No final das contas, você descobrirá que passar a se perceber autista, longe de ser uma maldição, é uma libertação.

Por que muitos ainda acreditam que se descobrir autista foi uma péssima notícia

Aviso de conteúdo: Esta seção do artigo contém menções a insultos capacitistas contra autistas e pessoas com deficiência intelectual.

Antes de eu elencar os grandes benefícios de se descobrir autista, vamos pensar por que muitas pessoas, talvez incluindo você, ainda têm uma visão negativa dessa descoberta e a encararam como algo muito triste.

A visão do (auto)diagnóstico como algo ruim geralmente deriva de concepções pejorativas e restritivas sobre o que é o autismo e o que é não pertencer à “normalidade” neurotípica.

Muitas vezes o indivíduo, sem a devida conscientização e conhecimento sobre o espectro autista, associa-o generalizadamente à deficiência intelectual e a uma suposta incapacidade de interagir com outras pessoas, produzir conteúdos intelectuais de elevada qualidade e cuidar de si mesmo.

Eu mesmo já vi o autismo dessa maneira no passado, quando não sabia da existência de autistas nível 1, também conhecidos como aspies ou autistas “leves”, nem da de autistas clássicos (de níveis 2 e 3, que demandam graus mais intensivos de apoio) sem deficiência intelectual.

Daí, quando vem a notícia de que são autistas, essas pessoas acham, pelo menos inicialmente, que descobriram ter capacidades intelectuais e cognitivas “deficientes” e “inferiores” às dos neurotípicos. Que os seus abusadores teriam razão ao chamá-las de “retardadas”, “doidas”, “doentes mentais”.

Aliás, essa visão da deficiência intelectual como uma marca de “inferioridade” e “incapacidade” vem de toda uma vida acostumada com crenças capacitistas, até então nunca desafiadas devidamente, sobre as deficiências humanas, e fustigada por gente preconceituosa que reforça essa imaginária associação.

Daí podemos entender por que tantos autistas se sentem arrasados quando descobrem seu atributo neurodiverso. Não é por maldade e intolerância, mas sim por terem sido “educadas” com uma visão depreciativa do autismo e da deficiência intelectual e com uma falsa crença de que todo autista teria essa deficiência.

Por que, na verdade, descobrir-se autista é uma redenção, nunca uma maldição

É graças à autodescoberta como autista que agora você tem, pela primeira vez na vida, plena capacidade de se aceitar do jeito que é e amar a si mesmo por inteiro. Descrição da imagem #PraCegoVer: Um desenho de uma moça ruiva de cabelos compridos abraçando a si mesma, com expressão facial de satisfação. Fim da descrição.
É graças à autodescoberta como autista que agora você tem, pela primeira vez na vida, plena capacidade de se aceitar do jeito que é e amar a si mesmo por inteiro.
Depois de contar que a visão negativa da autodescoberta como autista não tem justificativa válida, quero lhe dar outra ótima notícia: longe de ser uma maldição, essa revelação sobre quem você realmente é na verdade traz uma redentora bênção para a sua vida!

Ela é basicamente a resposta para diversas angustiantes perguntas que marcaram quase toda a sua vida e você nunca havia conseguido responder até então. Algumas delas provavelmente são:
  • Por que você raramente consegue ser visto e tratado como um igual, ao invés de maneira inferiorizante, pelas pessoas de seu círculo social;
  • Por que tantas pessoas têm sido preconceituosas contra você e intolerantes contra o seu jeito de ser desde a sua infância;
  • Por que é tão raro você se dar bem ao tentar se socializar nas reuniões de família, na vizinhança, na escola ou universidade, no trabalho, na igreja, na internet etc.;
  • Por que você tem sofrido tantas repreensões e tantos afastamentos de pessoas que pareciam gostar de você, sem você ter feito nada antiético contra elas;
  • Por que você (provavelmente) tem intolerância a alguns alimentos e sensibilidade sensorial muito elevada ou muito baixa;
  • Por que você tem tanta dificuldade de entender linguagem não verbal, olhar nos olhos das pessoas, captar as regras sociais implícitas dos lugares e grupos, perceber e entender a maldade de muitas pessoas e se defender delas, regular suas emoções etc.;
  • Por que você sente tanta vontade de fazer determinados movimentos repetitivos, os stims, principalmente quando está se sentindo sobrecarregado, ansioso ou estressado;
  • Por que ocasiões sociais trazem tanto cansaço e exaustão mental para você;
  • Por que, em situações envolvendo sobrecarga sensorial ou emocional, você sofre sérias crises nervosas, fica bastante atordoado ou passa mal de outras maneiras;
  • Por que seu senso de humor é tão excêntrico em comparação com o de seus colegas e parentes neurotípicos;
  • Por que muitos dos seus comportamentos e gostos são tão diferentes dos padrões neurotípicos e muitas vezes é tão difícil encontrar outra pessoa que tenha os mesmos gostos principais e traços de personalidade que você.
Com essa conclusão em mãos, você finalmente percebe que, ao contrário do que provavelmente acreditava, não é uma pessoa “quebrada”, “defeituosa”, “cheia de erros” ou antiética. Você é simplesmente uma pessoa diferente, cujas características de diferença hoje ainda não são plenamente compreendidas, reconhecidas e aceitas pela maioria das pessoas.

Além disso, constata que os sofrimentos e privações da sua vida e a atitude negativa dos outros em resposta a seu jeito de ser nunca eram culpa sua. Que a causa desses problemas não era nenhum “defeito” seu, mas sim o preconceito e o despreparo moral com que a sociedade trata autistas como você.

Consciente disso e de quem você é, você para de se culpar, de se autodepreciar, de se perguntar por quê diante de tanto sofrimento e não achar a resposta.

Sua luta passa a ser contra o capacitismo e a psicofobia, da mesma maneira que as mulheres lutam contra o machismo e a misoginia, as pessoas não brancas lutam contra o racismo e os LGBTs lutam contra a LGBTfobia.

E, finalmente, você para de se forçar a se comportar de maneira neurotípica, de tentar ser uma pessoa que não é e nunca viria a ser, de se culpar e se autodepreciar por não conseguir agir como neurotípico e, por tabela, de levar sua mente a situações de exaustão, sobrecarga ou mesmo colapso por causa de tais comportamentos forçados.

Afinal, é na autodescoberta autística que você descobre que determinadas crenças sobre você mesmo, a respeito de supostas capacidades de mudar de personalidade, virar extrovertido, aprender a olhar nos olhos, captar regras implícitas e linguagem não verbal sem apoio inclusivo e adquirir espontaneamente fluência em habilidades sociais eram falsas.

Percebe que, por mais que tentasse praticar sem ajuda especializada, você nunca conseguiria ter essas mesmas habilidades que um neurotípico - e está tudo bem assim.

Passa a se aceitar por completo do jeito que é, com suas diferenças neurais, comportamentais, sensoriais etc. que não devem ser suprimidas, mas sim respeitadas pelas outras pessoas.

Conclusão

Agora que você tem conhecimento de que é autista, está enfim redimido de toda aquela angústia de não entender por que tem sofrido tanto com discriminação, hostilização, repreensões, exclusão social e inadaptação aos ambientes aonde você tem ido.

Hoje você entende melhor a si mesmo e pode se aceitar plenamente. Pode viver com um pouco mais de paz e muito mais amor próprio e combater o que você hoje sabe que tem lhe trazido tanta infelicidade ao longo da vida.

Diante de todos esses fatos, eu me sinto seguro em dizer: descobrir que é autista foi uma das melhores e mais libertadoras coisas que já aconteceram na sua vida.

E o melhor: isso lhe trará, no futuro, uma segunda libertação: a do capacitismo, que, à medida que você luta juntamente com o restante da comunidade autista, irá diminuir gradualmente e dar lugar à aceitação do autismo e à inclusão social.

Pois eu fecho este artigo lhe dizendo: parabéns! Feliz autodescoberta do autismo!