domingo, 12 de janeiro de 2020

Se você se sentiu mal ao se descobrir autista, saiba sobre o libertador lado positivo dessa revelação

Descobrir-se autista, um dos mais formidáveis frutos do processo de autodescoberta. Descrição da imagem #PraCegoVer: Um papelão áspero rasgado com um buraco no centro, revelando uma superfície escura com riscos escrita com a frase "Discover yourself", que em inglês significa "Descubra-se" ou "Descubra a si mesmo". Fim da descrição.
Descobrir-se autista, um dos mais formidáveis frutos do processo de autodescoberta.

Você se sentiu mal, como se tivesse recebido uma péssima notícia, quando descobriu que é autista?

Se sim, eu quero neste artigo lhe mostrar que, ao contrário do que essa impressão inicial fez parecer, essa autodescoberta foi algo que revolucionou a sua vida e faz hoje uma diferença muito positiva.

No final das contas, você descobrirá que passar a se perceber autista, longe de ser uma maldição, é uma libertação.

Por que muitos ainda acreditam que se descobrir autista foi uma péssima notícia

Aviso de conteúdo: Esta seção do artigo contém menções a insultos capacitistas contra autistas e pessoas com deficiência intelectual.

Antes de eu elencar os grandes benefícios de se descobrir autista, vamos pensar por que muitas pessoas, talvez incluindo você, ainda têm uma visão negativa dessa descoberta e a encararam como algo muito triste.

A visão do (auto)diagnóstico como algo ruim geralmente deriva de concepções pejorativas e restritivas sobre o que é o autismo e o que é não pertencer à “normalidade” neurotípica.

Muitas vezes o indivíduo, sem a devida conscientização e conhecimento sobre o espectro autista, associa-o generalizadamente à deficiência intelectual e a uma suposta incapacidade de interagir com outras pessoas, produzir conteúdos intelectuais de elevada qualidade e cuidar de si mesmo.

Eu mesmo já vi o autismo dessa maneira no passado, quando não sabia da existência de autistas nível 1, também conhecidos como aspies ou autistas “leves”, nem da de autistas clássicos (de níveis 2 e 3, que demandam graus mais intensivos de apoio) sem deficiência intelectual.

Daí, quando vem a notícia de que são autistas, essas pessoas acham, pelo menos inicialmente, que descobriram ter capacidades intelectuais e cognitivas “deficientes” e “inferiores” às dos neurotípicos. Que os seus abusadores teriam razão ao chamá-las de “retardadas”, “doidas”, “doentes mentais”.

Aliás, essa visão da deficiência intelectual como uma marca de “inferioridade” e “incapacidade” vem de toda uma vida acostumada com crenças capacitistas, até então nunca desafiadas devidamente, sobre as deficiências humanas, e fustigada por gente preconceituosa que reforça essa imaginária associação.

Daí podemos entender por que tantos autistas se sentem arrasados quando descobrem seu atributo neurodiverso. Não é por maldade e intolerância, mas sim por terem sido “educadas” com uma visão depreciativa do autismo e da deficiência intelectual e com uma falsa crença de que todo autista teria essa deficiência.

Por que, na verdade, descobrir-se autista é uma redenção, nunca uma maldição

É graças à autodescoberta como autista que agora você tem, pela primeira vez na vida, plena capacidade de se aceitar do jeito que é e amar a si mesmo por inteiro. Descrição da imagem #PraCegoVer: Um desenho de uma moça ruiva de cabelos compridos abraçando a si mesma, com expressão facial de satisfação. Fim da descrição.
É graças à autodescoberta como autista que agora você tem, pela primeira vez na vida, plena capacidade de se aceitar do jeito que é e amar a si mesmo por inteiro.
Depois de contar que a visão negativa da autodescoberta como autista não tem justificativa válida, quero lhe dar outra ótima notícia: longe de ser uma maldição, essa revelação sobre quem você realmente é na verdade traz uma redentora bênção para a sua vida!

Ela é basicamente a resposta para diversas angustiantes perguntas que marcaram quase toda a sua vida e você nunca havia conseguido responder até então. Algumas delas provavelmente são:
  • Por que você raramente consegue ser visto e tratado como um igual, ao invés de maneira inferiorizante, pelas pessoas de seu círculo social;
  • Por que tantas pessoas têm sido preconceituosas contra você e intolerantes contra o seu jeito de ser desde a sua infância;
  • Por que é tão raro você se dar bem ao tentar se socializar nas reuniões de família, na vizinhança, na escola ou universidade, no trabalho, na igreja, na internet etc.;
  • Por que você tem sofrido tantas repreensões e tantos afastamentos de pessoas que pareciam gostar de você, sem você ter feito nada antiético contra elas;
  • Por que você (provavelmente) tem intolerância a alguns alimentos e sensibilidade sensorial muito elevada ou muito baixa;
  • Por que você tem tanta dificuldade de entender linguagem não verbal, olhar nos olhos das pessoas, captar as regras sociais implícitas dos lugares e grupos, perceber e entender a maldade de muitas pessoas e se defender delas, regular suas emoções etc.;
  • Por que você sente tanta vontade de fazer determinados movimentos repetitivos, os stims, principalmente quando está se sentindo sobrecarregado, ansioso ou estressado;
  • Por que ocasiões sociais trazem tanto cansaço e exaustão mental para você;
  • Por que, em situações envolvendo sobrecarga sensorial ou emocional, você sofre sérias crises nervosas, fica bastante atordoado ou passa mal de outras maneiras;
  • Por que seu senso de humor é tão excêntrico em comparação com o de seus colegas e parentes neurotípicos;
  • Por que muitos dos seus comportamentos e gostos são tão diferentes dos padrões neurotípicos e muitas vezes é tão difícil encontrar outra pessoa que tenha os mesmos gostos principais e traços de personalidade que você.
Com essa conclusão em mãos, você finalmente percebe que, ao contrário do que provavelmente acreditava, não é uma pessoa “quebrada”, “defeituosa”, “cheia de erros” ou antiética. Você é simplesmente uma pessoa diferente, cujas características de diferença hoje ainda não são plenamente compreendidas, reconhecidas e aceitas pela maioria das pessoas.

Além disso, constata que os sofrimentos e privações da sua vida e a atitude negativa dos outros em resposta a seu jeito de ser nunca eram culpa sua. Que a causa desses problemas não era nenhum “defeito” seu, mas sim o preconceito e o despreparo moral com que a sociedade trata autistas como você.

Consciente disso e de quem você é, você para de se culpar, de se autodepreciar, de se perguntar por quê diante de tanto sofrimento e não achar a resposta.

Sua luta passa a ser contra o capacitismo e a psicofobia, da mesma maneira que as mulheres lutam contra o machismo e a misoginia, as pessoas não brancas lutam contra o racismo e os LGBTs lutam contra a LGBTfobia.

E, finalmente, você para de se forçar a se comportar de maneira neurotípica, de tentar ser uma pessoa que não é e nunca viria a ser, de se culpar e se autodepreciar por não conseguir agir como neurotípico e, por tabela, de levar sua mente a situações de exaustão, sobrecarga ou mesmo colapso por causa de tais comportamentos forçados.

Afinal, é na autodescoberta autística que você descobre que determinadas crenças sobre você mesmo, a respeito de supostas capacidades de mudar de personalidade, virar extrovertido, aprender a olhar nos olhos, captar regras implícitas e linguagem não verbal sem apoio inclusivo e adquirir espontaneamente fluência em habilidades sociais eram falsas.

Percebe que, por mais que tentasse praticar sem ajuda especializada, você nunca conseguiria ter essas mesmas habilidades que um neurotípico - e está tudo bem assim.

Passa a se aceitar por completo do jeito que é, com suas diferenças neurais, comportamentais, sensoriais etc. que não devem ser suprimidas, mas sim respeitadas pelas outras pessoas.

Conclusão

Agora que você tem conhecimento de que é autista, está enfim redimido de toda aquela angústia de não entender por que tem sofrido tanto com discriminação, hostilização, repreensões, exclusão social e inadaptação aos ambientes aonde você tem ido.

Hoje você entende melhor a si mesmo e pode se aceitar plenamente. Pode viver com um pouco mais de paz e muito mais amor próprio e combater o que você hoje sabe que tem lhe trazido tanta infelicidade ao longo da vida.

Diante de todos esses fatos, eu me sinto seguro em dizer: descobrir que é autista foi uma das melhores e mais libertadoras coisas que já aconteceram na sua vida.

E o melhor: isso lhe trará, no futuro, uma segunda libertação: a do capacitismo, que, à medida que você luta juntamente com o restante da comunidade autista, irá diminuir gradualmente e dar lugar à aceitação do autismo e à inclusão social.

Pois eu fecho este artigo lhe dizendo: parabéns! Feliz autodescoberta do autismo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário