quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O que o autismo tem a ver com minha falta de disposição para participar de movimentos sociais e manifestações


Por muitos anos, eu desejei participar de movimentos sociais, de coletivos que defendessem alguma causa.

Só que, de alguns anos para cá, esse interesse foi sumindo, até que hoje eu não tenho mais a mínima vontade de aderir a grupos do tipo. E por todo esse tempo me perguntei por que isso aconteceu.

Não é por medo do futuro governo de Bolsonaro. Mas sim, pelo que descobri do ano passado para cá, porque é assim que eu sou: um autista que não é muito chegado à socialização e não deseja mais tentar se entrosar com pessoas que podem, a qualquer momento, me julgar e me condenar em função de meus comportamentos.

Quero, neste artigo, relatar como eu cheguei à conclusão de que essa indisposição de aderir a coletivos é parte de mim, que só vai ser tratada daqui a bastante tempo - quando eu tiver meu dinheiro e condições de ter acompanhamento de um psicólogo que me reconheça como aspie.

Minha falta de disposição para participar de coletivos políticos e manifestações


Por vários anos eu tentei participar de grupos de ativismo e protestos. Lembro de ter participado de alguns grupos de defesa dos animais e do vegetarianismo, entre 2008 e 2012.

Só que nunca fui verdadeiramente aceito e acolhido. Meus comportamentos - cuja causa eu então desconhecia - atraíam a antipatia de boa parte dos membros desses grupos.

Eu fazia perguntas sem noção. Falava em público - em grupos do Google Grupos ou comunidades ou scraps do Orkut - coisas que os receptores de minhas mensagens respondiam, com agressividade extrema, que só deviam ser tratadas em privado, longe do olhar alheio. Tentava paquerar com alguma membro de maneira totalmente descoordenada - mas que, a saber, nunca chegou a ser tida como machista e assediadora -, uma vez que eu sofria de uma imensa carência amorosa.

Em dois desses grupos, de tanto perceber que não era bem quisto no meio, acabei saindo voluntariamente.

Em 2012, retornei as tentativas de participar de grupos sociopolíticos pró-vegetarianismo. Participei de algumas reuniões, mas sentia que alguns membros não me viam com olhos muito receptivos nessas ocasiões.

Também marcava piqueniques num parque aqui de Recife. Mas esses eventos só resultaram em mais desafetos, por causa dos meus comportamentos socialmente malquistos, como comer mais do que a quantidade socialmente aceita.

Já nas manifestações que aconteceram na época, eu ia com a intenção tanto de defender a pauta estabelecida como de tentar me socializar e integrar algum grupo - até por questão de segurança.

Mas, é claro, não consegui me aproximar de nenhum grupo na época. O único do qual eu participei com alguma regularidade - que se chamava Zona Recife e existiu em 2009 - se separou em poucos meses de atividade.

Ou seja, de tanto tentar me socializar nesses grupos e ser malsucedido, acabei desistindo, e não tenho mais nenhuma perspectiva de tentar novamente aderir a algum.

Por que não tento mais hoje, nem sabendo da minha condição autística


A este momento, alguém pode vir me perguntar por que eu não tento mais hoje, já que agora eu sei que sou autista e posso falar isso abertamente para justificar eventuais comportamentos indesejados.

A razão é que os movimentos sociais - todos eles, exceto talvez o próprio movimento de autistas - são capacitistas e não aceitam plenamente autistas entre seus membros.

Em nenhum lugar, seja ele coletivo social, partido ou organização vegana/vegetariana, vou encontrar braços abertos e a plena compreensão de minha condição e dos porquês de meus comportamentos.

Sei que, se eu cometer algum comportamento socialmente repudiado, serei malvisto como nas outras vezes. E não vou me sentir à vontade de permanecer no coletivo.

E pior, o tempo todo vou me sentir sendo vigiado e julgado.

Além disso, pelas minhas dificuldades de socialização, a tendência é de não conseguir fazer nenhuma amizade nesses meios.

É de não estabelecer nenhum laço necessário para me manter coeso a esses grupos. Pelo contrário, só desafetos e pessoas neutras perante a minha presença.

Afinal, hoje em dia o entendimento da maioria dos neurotípicos e daqueles que não sabem ser autistas sobre o espectro autista é muito precário e desinformado.

Muitos ainda acham que o autismo é uma doença, uma incapacitação - pior é que eu próprio tinha essa concepção preconceituosa até 2015 -, e que autistas são, estereotipicamente falando, aquelas crianças que passam na televisão, que não falam, não conseguem se comunicar e reagem com agressividade extrema à sobrecarga perante os estímulos do ambiente.

Quanto a manifestações, sei que em todas elas eu estarei sozinho, sem um amigo do lado para me proteger - a não ser que, com muita sorte, eu encontre um amigo da minha época de estudante -, e correrei riscos multiplicados de apanhar da polícia e mesmo de ser preso, sem que ninguém vá ao meu socorro.

Em outras palavras, não me sentiria nada seguro nessas ocasiões.

Conclusão


É por todos esses motivos que eu não me atrevo mais a tentar entrar num movimento social - exceto o próprio movimento autista, e olhe lá -, partido ou grupo ativista.

Prefiro atuar da maneira que eu sei atuar e é mais segura para mim - sendo blogueiro e divulgador de conteúdo em redes sociais.

Espero que quem me ler e me conhecer passe a compreender um pouco do que eu sofri ao longo desses anos em que tentei me socializar em movimentos sociais. E entenda se eu de repente disser que não entro mais em nenhum grupo do tipo.

2 comentários:

  1. Oi, Robson. Te entendo. Existem outras formas de integrar esses movimentos. Lamento e conheço sua frustração... o egoismo, infelizmente, impera em todos os contextos sociais. Nao abandone a causa, abandone que te fez sentir excluido. Aos pouquinhos vamos construir o conceito de neurodiversidade no coletivo social. Abraço, Carol (ativista vegana e neurodiversa)

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